“A cultura de Washington vai ser mais civilizada”

Michael Roskin, politólogo norte-americano radicado em Macau, analisa tomada de posse de Obama

A crise ajudou-o a chegar à Casa Branca. A crise é a pedra mais difícil de tirar do sapato. No primeiro dia de Barack Obama à frente do destino dos Estados Unidos da América, o PONTO FINAL pergunta ao politólogo norte-americano Michael Roskin de que forma vai o seu país mudar.

 “Os americanos têm agora um presidente inteligente, educado e eloquente, que eleva o tom do discurso público. Muita da força de Obama é psicológica.” Michael Roskin

“Os americanos têm agora um presidente inteligente, educado e eloquente, que eleva o tom do discurso público. Muita da força de Obama é psicológica.” Michael Roskin

Foram umas eleições vividas com expectativas que muitos entenderam ser desmesuradas. Agora chegou a hora de se ver até que ponto a esperança Obama vai ter efeitos práticos visíveis. Os Estados Unidos da América empossaram o seu primeiro Presidente negro. O homem que prometeu mudança terá muito com que se ocupar durante os seus próximos tempos na Casa Branca.
Para Michael Roskin – norte-americano residente em Macau que até já foi republicano mas que, em Novembro passado, votou no democrata -, a crise financeira que entretanto se agudizou será o principal obstáculo a um comando sereno do novo Presidente. Foi a crise que lhe abriu as portas, mas agora terá que saber lidar com ela.
“As expectativas em torno de Obama foram potenciadas pela crise económica, e foi isto que lhe permitiu ter aquela margem de vitória. McCain não foi capaz de se distanciar o suficiente dos fracassos de Bush”, recorda o professor de Ciência Política, em declarações ao PONTO FINAL.
Roskin vinca que “os americanos têm razões concretas para estarem assustados e temerem perder os empregos, as casas, as pensões”. E aqui surge o primeiro problema de Obama: “O problema é que os americanos podem estar à espera de mais do novo Presidente do que deviam. Com certeza que as expectativas vão diminuir.”
Para que tal não aconteça, pelo menos de forma dramática, Michael Roskin aconselha Obama a dar grande importância à saúde da banca, no que às prioridades de política interna diz respeito.
“A prioridade deverá ser fazer com que o bancos voltem a conceder empréstimos. Muitos deles olham para os clientes como sendo pessoas nas quais não podem confiar; os bancos temem perder ainda mais dinheiro.”
O professor defende que a nova legislação sobre a matéria deve exigir aos bancos que declarem os empréstimos não devolvidos, “mesmo que tal signifique admitir prejuízos terríveis”. Roskin dá o Japão como exemplo: “Hesitou durante anos antes de obrigar os bancos a adoptarem este procedimento, e desperdiçou uma década em recessão económica”.
Este tipo de medida deve servir para que “os bancos fracos possam ser nacionalizados e serem gradualmente vendidos ao sector privado”. Quanto aos “bancos razoavelmente saudáveis”, diz o professor da Universidade de Macau, “podem levar uma injecção de capital público de modo a que voltem a conceder empréstimos”.

Feitiço contra ao feiticeiro?

Quanto à postura dos Estados Unidos para o exterior, Michael Roskin entende que “sair do Iraque, como prometido”, deve ser o primeiro passo a dar por Barack Obama. Para que o feitiço não se vire contra o feiticeiro.
Embora numa fase final da campanha tenha sido a crise financeira o grande motor de obtenção de votos, a verdade é que a postura do candidato democrata em relação ao conflito no país que um dia foi de Saddam Hussein contribuiu em muito para a popularidade do recém-empossado Presidente, entre certos grupos da sociedade norte-americana.
“Ficar no Iraque pode transformar-se na guerra de Obama. Ao general David Petreaus devem ser dados dois anos para pôr em prática as suas estratégias no Afeganistão, e depois devemo-nos retirar mesmo se a situação continuar instável.” É que, realça o politólogo, “o Afeganistão está agora a transformar-se numa situação pior do que o Iraque”.
As expectativas em torno do reinado Obama são grandes, mas afinal o que vai mudar? “Várias políticas vão ser alteradas, mas não de forma drástica.” Ou seja, amanhã o dia vai ser mais ou menos igual ao de hoje. Mas com o passar do tempo as mudanças vão começar a fazer-se sentir, assegura Roskin.
“A cultura de Washington vai ser mais civilizada e polida. Os americanos têm agora um presidente inteligente, educado e eloquente, que eleva o tom do discurso público. Muita da força de Obama é psicológica, ao escolher o tom certo. É mais isso do que quaisquer políticas especiais”, conclui.

Teses para reformular

Para a Ciência Política, a eleição de Barack Obama é, por si só, um verdadeiro “case study”, cujos efeitos já se fazem sentir. Há teses e teorias para refazer, perante o contexto da eleição do primeiro Presidente afro-americano. “Era algo impossível há 20 ou 30 anos”, salienta Michael Roskin que, ainda antes do dia das eleições, se começou a debruçar sobre a influência da raça no comportamento do eleitorado norte-americano.
“Os académicos da Ciência Política devem reavaliar as teorias que indicam que a raça tem um papel determinante na política norte-americana. Os eleitores mais jovens deram início a uma nova era.” Não que o racismo no país tenha desaparecido. “Continua a haver, agora concentrado no Partido Republicano, mas cada vez menos.”
A maioria dos norte-americanos diz que “a raça interessa menos do que o carácter, o intelecto e a capacidade de tomar decisões”, indica o politólgo. As eleições demonstraram que este discurso se traduz em termos práticos.
Posto isto, há que esperar para ver do que o novo Presidente é capaz. “O meu grande medo é o de que Obama seja assassinado”, remata o docente.

Isabel Castro, in Ponto Final


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